sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Mosaico de Rancores: capítulo 30

Vermes adormecem na minha cavidade ocular. Olho e acredito somente naquilo que não posso ver. As sombras são tão maiores do que aquilo que reproduzem! Mitos e cavernas e Platões confusos. Cegos em procissões. Percorro seus abraços, mãos amputadas, masturbações interrompidas. Caminho com sapatos de bico fino no vazio do seu corpo, enquanto retiro fiapos de solidão que ficaram entre meus dentes. Nosso amor apodrece, se decompõe na minha boca. O gosto e o gozo de tantas noites. Cabeças de medusas. Jardins petrificados. Figueiras morrem secas nos vãos do meu quarto. A casa está vazia, mas ecoa gritos. A velha histérica não cala a boca. Poderia gritar também, romper as vísceras das madrugadas em vigília dentro de mim. Mas sou louca e devoro com voracidade cada palavra que tenta sair da minha mente desvairada. O peixe morre pela boca. É o que todos dizem, não é? Línguas percorrem minha pele. Navalhas afiadas. Formigamentos. Remorsos. Lúcio me toca. Guilhotinas a um centímetro do pescoço. Como enterrar todos meus mortos em cova tão rasa? Sua língua úmida estupra minha boca. Cardumes despencam em minhas ancas. Mergulho e acaricio a dureza dos carvalhos.

13 comentários:

Adriana Godoy disse...

"Como enterrar todos meus mortos em cova tão rasa?" Só essa frase valeria o texto.

Os fragmentos, à primeira vista, soltos, estão encadeados em uma unidade perfeita e remetem a tantas imagens, tantas sensações, como sonhos entrecortados. Gostei. Abraço.

BAR DO BARDO disse...

Se isso for romance, que fazer com a poesia???

Anônimo disse...

seus textos simbolicos, marcam sempre a busca por um todo que insistemente permanece partido, em uma fragmentação ousada e maldosa. são fortes e de uma forma ou de outra não se trata de vc antes se trata do humanus.
forte.

Gabriela Galvão disse...

Qrida, vc foi mais esperta que eu.

Eu quis colocar um linque pra cah tb, mas acabei 'comendo mosca'.

Bom, mas agora jah estah lah.


Bisous

Luciano Fraga disse...

Altamente visceral,vermes na cavidade ocular, língua que estupra a boca,mosaicos e pedaços de todos nós espalhados por todas as partes.Sempre bom vir aqui, beijo terno.

JC disse...

Mais um texto escrito com muita intensidade. Frases curtas, mais parecidas com poesia do que própriamente com prosa. E que poema bonito seria... Cada frase, cada palavra são escolhidas minuciosamente para espelhar um estado de espírito ou cada estado de alma.
Beijinhos

Adriana Riess Karnal disse...

Obrigada pela visita em meu blog, adorei seu espaço...e o texto? Ah, cheio de imagens e metáforas que me deixaram com gosto de quero mais...:)

Cristiana Fonseca disse...

Olá Marcia,
ler-te é formidavel, pois minha mente toma rumos ainda inabitados. Voltarei para ler o que perdi , durante a minha ausência.
Beijos,
Cris

pianistaboxeador21 disse...

Tou com saudades, gatinha.

Rounds disse...

quando verá a luz do dia o livro de poemas dessa grande poeta?

seu séquito de fãs estão ansiosos!

bj

Anônimo disse...

cacilds, que loucuris!

Luciano disse...

Muito boa a narrativa. Tem qualquer coisa de Roberto Piva.
Obrigado pela postagem.

f@ disse...

Olá Márcia,

Cada palavra é um grito que se escuta sempre …
...
Das figueiras secas ficam os figos secos tb e doces para saborear que o tempo faz ao fruto…

Beijinhos das nuvens