Na literatura, tudo é permitido, desde que a obra peça. Essa é a opinião de dois autores de uma nova geração de escritores que, não raramente, trata de temas mais melindrosos em suas obras. Para o escritor goiano André de Leones, que publicou seus livros Hoje Está Um Dia Morto , Paz na Terra Entre os Monstros e Como Desaparecer Completamente por grandes editoras nacionais, o autor só deve se preocupar com a qualidade de sua obra.

"Se ele veste uma camisa-de-força politicamente correta no que diz respeito a quais temas abordar, é muito provável que também trave estilisticamente e não consiga desenvolver a contento o que quer que venha a escrever", opina.

"Quando escrevo, eu me preocupo em desenvolver a história que me dispus a narrar da melhor forma possível. Se, por acaso, o tema é espinhoso, é provável que a forma como ele é desenvolvido também o seja. Não se trata, evidentemente, de uma regra", diz André.

A paulista Márcia Barbieri, graduada em português e francês pela Unesp e que participa da pós-graduação em Prática de Criação Literária do escritor Nelson de Oliveira, especializado em descobrir novos talentos na área, tem argumentos semelhantes. "A ficção não tem nenhum comprometimento com a verdade, com valores morais, sociais ou políticos. A literatura não tem o intuito de fazer apologias", alega.

Ela, que já publicou dois livros de contos e é colunista das revistas eletrônicas O Bule e Sinestesia Cultural , ressalta a importância de não se confundir realidade com ficção. "A imoralidade, a pornografia e a indecência acontecem tanto na vida cotidiana quanto na literatura. No entanto, esses temas na literatura não têm a função de legitimar esses comportamentos. Esses temas podem funcionar como denúncia, repugnância contra uma sociedade hipócrita e moralista, que engole o próprio gozo para não deixar vestígios." Em sua avaliação, o escritor deve se livrar de receios dessa ordem. "A escrita é um dos poucos lugares em que se pode ter liberdade total de criação."

Márcia pontua que todos os temas são válidos na arte literária e que, na hora de escrever, não se preocupa em ter filtros. "Se tivesse essa preocupação, com certeza me tornaria uma escritora medíocre ou trabalharia em relatórios técnicos e não com literatura."
André de Leones reconhece que há muitas formas de ler um texto e que uma obra com temática mais forte pode incomodar.

"O bom leitor sabe distinguir entre um Rabelais ou um Philip Roth e um grosseirão qualquer. Por outro lado, na medida em que as pessoas leem e pensam cada vez menos, há uma carência enorme de bons leitores, que saibam diferenciar um texto literário, por mais pesado que seja, de uma imbecilidade pornográfica ou ultraviolenta."

O autor enfatiza uma diferença importante. "O que eu condeno é a gratuidade, isto é, que um escritor escolha determinado tema e o desenvolva grosseiramente, com a intenção expressa de chocar. Mas isso, é claro, já não é literatura, é sensacionalismo, estupidez."

André, entretanto, identifica vigilâncias em ação. "Essas patrulhas são obra de demagogos, semianalfabetos e fundamentalistas religiosos, de pessoas que não conseguiriam se situar dentro de um texto literário nem mesmo se lhe dessem um mapa com instruções detalhadíssimas."
Márcia Barbieri reforça o raciocínio. "O patrulhamento sempre existiu e existirá em qualquer época, inclusive na literatura. As pessoas se esquecem que, se os escritores seguirem o politicamente correto, a arte será extinta."