terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Mosaico de Rancores: capítulo 28


Anoitecem cidades dentro de mim. Luzes e carros esmagam meus ossos. Uma pasta vermelha e dolorosa no asfalto. Morros de Emily Brontë não abandonam meus olhos. Revólveres disparam seus gatilhos. Não há como morrer sem se ferir. Sangrias não aliviam minha dor e as sanguessugas não podem ir ao inferno no meu lugar. Balas penetram carnes profanas e desconhecidas. O aço volátil das almas. Meu pai tinha razão: o ciúme é uma coroa coberta de espinhos e não temos a força sagrada de Cristo. Madalenas ressuscitadas procuram abrigo. Fujo. Besouros cobrem as paredes do meu quarto. Zunidos penetram meus ouvidos. Pancadas na nuca. Lúcio não poderia ter voltado, não agora. Meus poros exalam o cheiro de outro homem. Vômitos não curam minha ânsia de mulher vadia. Fenos e grama apodrecem entre os lençóis. Cadáveres dormem na sarjeta, enquanto tento desesperadamente esconder os vestígios da noite anterior. O passado é sujo, nos entrega, uma moeda de duas caras. Sóis de meia-noite rompem minha janela. Eu amo e por amar me corrompo. Sífilis e nascimentos andrógenos. Há algo de imaculado crescendo no meu ventre. Marias e Josés. Rios verdes e aortas. Veia cava, cova no meu peito.

12 comentários:

Adriana Godoy disse...

Muito bom, forte, quase escatológico, bem construído.

Luciano Fraga disse...

Barbarie e metrópole,fui até a Idade Média nesta fonte inesgotável de imagens e poesia, bárbaro, abraço.

Arábica disse...

Márcia


olhos nos olhos da alma, um monologo visceral, profundo, da ousadia do assumir.

O amor que não cabe nos poros do corpo, o grito de angustia dos quereres em desalinho.


Muito forte.


Abraço

Heduardo Kiesse disse...

ai que saudades dos teus manifestos verbais minha amiga!!
aprecio imenso a sua poeticidade!!
mil beijinhios de estima e consideraçao!

Heduardo

Anônimo disse...

mosaico de rancores:capitulo 28 é uma cacetada em pessoas que buscam no amor a pureza, que querem amar sem se lambuzarem.
um texto que nos faz animais por que somos animais, angustia de quem perdeu o caminho da vida e perdido em um jogo de certo e errado se presta a odiar a si mesmo.

Anônimo disse...

Muito bonito, Márcia. Forte, sem ser agressivo, profundo, visceral e profundamente poético.

Gostei muito!

guru martins disse...

...hehehe,
vadiagem
e culpa na
pós-modernidade
combinam pouco,
mas tem um grau
de sanidade que
mantém a excitação,
que o texto expurga
com elegância...

bj

Heitor Cardoso disse...

Mordaz.
Acido.

Eu me espanto com a tua genialidade mulher, e com o teu genio.

Beijos calorosos e ternos.

Heitor Cardoso disse...

Agradeço muito.
Minha cara, o pior é que eu nao posso mandar pro teu e-mail. O melhor que posso fazer é mandar-te esse link, é melhor que o anterior.

http://www.zshare.net/download/95846511c6e95d/

Ou entao, se preferir, bota no google: 'download na confraria das sedutoras' vao aparecer algumas opçoes, escolha a melhor.

As musicas sao a tua cara.

f@ disse...

Olá Márcia,
há lá noite + escura que não ver sin ais luminosos na cidade…
Mais luz menos luz quando anoitece e no quarto fechado ecoa o grito súbito da ferida aberta, a dor sabe reabrir a porta frágil dos pensamentos, suspiros …

Beijinhos das nuvens

Anônimo disse...

[...] Luzes e carros esmagam meus ossos.


lendo esta frase, vendo Frida... só me vem a cabeça a passagem do filme dela, no momento do acidente do Bonde...

o ferro encravado... a dor...

gosto muito de Frida, gostei muito do post!

Lindo aqui,
belas ilustrações, belos textos...

Parabéns Querida.
Beijos

BAR DO BARDO disse...

me sinto uma perva ao ler sua prosa poética... mas uma perva que ama. uma perva com princípios. uma perva dona de si. uma perva feliz.