quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Mosaico de Rancores: capítulo 21

Noites de desespero cego. Cavernas aterrorizam meus sonhos. Permaneço nua e distante. Estátuas de barro, pobres Pietà. Costelas e vísceras de Adão. Meus pés brotam e morrem em pinturas surrealistas. Preciso conter meu choro. As águas rolam e não mudam a direção do vento. Cata-ventos são moinhos sangrentos que escorrem do seu peito. Você não é capaz de mudar o mundo, mas sempre abre fendas nos meus sapatos. Meio-fio, homens abrindo valas e eu carregando os seus mortos, chorando dores que não sinto. Velórios de pequenos crimes. Você parte e me parte em mil. E cada pedaço de mim cavalga em tigres selvagens. Não chego a lugar algum. Os ciúmes e minhas overdoses e meus campos de papoulas devastados. E sua carne crua se misturando à lama e ao lodo de outras carnes. Não posso enxergar, porém sinto o gosto amargo do seu gozo escorrendo indecente em outros seios. Colares de pedras falsas. Jades. Mercúrio e ouro perdidos no mesmo rio verde e insípido. Não posso mergulhar até o fundo. Não posso acreditar na beleza dos corais nem na dureza dos carvalhos. Tampouco posso confiar nos escafandros pendurados nos nossos cabides.

10 comentários:

Heitor Cardoso disse...

AHSUAHSUH
agradeço o elogio, mas eu REALMENTE nao acho extraordinario nada do que eu faço. O que ja nao é o seu caso, pois, a cada novo conto, voce me surpreende.

Tu és professora huh?

JC disse...

Os nosssos sonhos por vezes parecem filmes de terror, mas são mais aquelas que sonhamos com coisas boas.
A guerra desenfreada, por vezes desencadeada apenas por intresses financeiros leva a que tantos inocentes morram no mundo, sem que tenham um local digno para serem enterrados e então tê-lo-ão que ser em valas comuns.
O cultivo de plantas, nomeadamente a papoila no Afeganistão que tanto dinheiro dá aos senhores da guerra.
Porquê de tanto mal no mundo.
Como sempre os seus textos são de uma intensidade imensa.
Beijinhos

Heitor Cardoso disse...

Marcia,
aogra que lembrei,
de um pouco mais de credito aos seus pupilos. Nao posso deixar de lembrar de uma prof minha de historia chamada Nila, que praticamente mudou minha vida e é responsavel por boa parte disso que eu sou. Sugira aos seus alunos bons livros, empreste-os, faço o possivel. Nietzsche especialmente :D ja que engloba tanto sobre cultura. Nao é tudo mas ja é um começo. Enfim, beijos imensos e 'apaixonados'. Sonhei contigo.



PS: nao sei, mas ignore o 'apaixonado', bebi 7 litros de vinho com um amigo e estou meio sei la. De qualquer forma, tua imagem nao deixa meus sonhos.
Beijos e fique bem.

Luciano Fraga disse...

Um fluxo interminável de surrealismo e existência,a falta de perspectivas e de algum porto onde o/a personagem possa ancorar seu barco desesperado, a la C. Lispector, maravilhoso texto, beijo.

Cristiana Fonseca disse...

Olá Marcia
Teus textos são explendidos sempre
Belo fim de semana
Beijos
Cris

Heitor Cardoso disse...

Desculpa se falei mta besteira Marcia. Aff. (..) *pausa dramatica*
Na verdade, tirou meu sono sim, mas de uma maneira bem positiva... e calorosa. Pena que foi só sonho.

Se meus pesadelos fossem todos assim.. aiai.

Fiquei curioso pra conhecer tua voz. -_____-'


Enfim, esqueçamos.. ou nao.

Beijos timidos e envergonhados, mas sempre ternos.

Lord of Erewhon disse...

Tudo é belo, mas esta frase: Não posso acreditar na beleza dos corais nem na dureza dos carvalhos. - me prendeu.

f@ disse...

Olá Márcia,
Admirável texto e imagem…
Sempre vale a pena submerg ir até ao fundo do sonho … /(pesad)elo na escuridão deixam no olhar um vasto conhecimento, tantas são as vezes temos de tactear…

Recife de corais a boiar no sonho… mundo submarino na crista das ondas…
das nuvens beijinhos

Anônimo disse...

com frases curtas, a autora dispara realidades contidas de desespero agudo.
um texto que brinca com os erstilos, surrealismo,
realismo- fantasticos.
um texto onde o rancor não é mais o assunto e sim a desilusão, a desesperança.

Germano Viana Xavier disse...

Mosaico de frases fortes, talvez fosse o melhor título para sua coleção de rancores, Márcia.

Depois volto para ler o último.
Um carinho.

Continuemos...