Mais um dia se arrastando entre os retalhos furta-cores da nossa incompreensão. Queria tanto conseguir sorrir com a verdade estampada roxa nos dentes. No entanto, sou alegre apenas entre frestas, palitos e solidões. Meu ventre dói como filmes tristes. Vasculho e arranco fetos. Ninguém merece vingar pra vida. Cobras pendurando as antigas peles em nossos antigos cabides. Inspiro demoradamente e centenas de pregos enferrujados entram e atravancam minhas narinas. Respirar está cada vez mais caro. Parece que nossos mares desembocam em esgotos. Baratas e ratos e traças abrindo trilhas nos lençóis. Roendo as migalhas da nossa tão sonhada felicidade. Gafanhotos devorando homens, a ira abençoada de Deus. A penúltima chuva levou crianças e umedeceu os muros e eles ainda não secaram, rastros de lesmas nos quintais. Queria entender ou mudar os passos desde nosso primeiro encontro. Os sapatos eram novos e incrivelmente confortáveis, agora estão velhos e criam calos, joanetes, olhos de peixe. Ando tropeçando na imagem suja e imperfeita que fez de mim. Eu me enxergo com seus olhos e não gosto do que vejo. Mendigos acariciando cães. Sóis e trovões anoitecem em minhas mãos, enquanto rios atravessam os nós dos meus dedos. Amanheço e manejo a insônia indolente dos dias.
Pôr de sol , Arpoador
Há 4 dias