terça-feira, 9 de junho de 2009

Mosaico de Rancores: capítulo 37


Persigo a fúria amarela dos escorpiões. As ferroadas adormecem meus tendões e meus rancores. Vozes silenciosas e gramofones me distraem. As argolas alongam meu pescoço e não posso ver a gangrena dos meus próprios pés. Lúcio ri da minha paralisia. O presente congelado e soberano. A vida deixada para depois. Tantas histórias se passaram e não mudaram o curso tortuoso das minhas vértebras. Escolioses e lordoses me pouparam de carregar o mundo nas costas. Corpos sãos apodrecendo na lama dos leitos. Nossa cama vasculhando nossos segredos mais imundos. Eu sorvendo água turva de sua boca. Frutas verdes amarrando minha língua. Castigos imprevisíveis para meus crimes brancos. Armas brancas, mãos negras e culpadas. Não perco a mania de inverter os jogos, virar tabuleiros e te amaldiçoar pelas minhas faltas. Apalpo teu corpo, procuro as feridas, remexo suas vísceras como um São Tomé insano. Não vejo verdade nenhuma, sinto apenas um sangue coagulado e morto. Descalcifico seus ossos, você resistiu às piores quedas, continua em pé, à espreita. Eu continuo pisando nos mesmos ovos, triturando as mesmas pedras, chutando mistérios ao amanhecer. Você dorme em posição fetal, sem se importar com o destino da tempestade. Barcos de papel afundam no nosso riso. Desvie, meus olhos são parados, frios e fatais como abismos.