sexta-feira, 24 de julho de 2009

Boca de Lobo

tela: Jose Luis Fuentetaja
Minh'alma deita suas vísceras no asfalto estrelado,
as tripas ainda esverdeadas digerem
sonhos e vertigens de outros tempos
vejo olhos e âncoras suspensas no espaço.

meu corpo é um cão pardo e faminto,
é uma cidade durante a noite
quando todas as casas trazem seus lixos à porta

Meu coração é um esgoto a céu aberto.

domingo, 12 de julho de 2009

Enquanto a lona cai por Marcia Barbieri


Convido todos os amigos que acompanham este blog a conferir a publicação do meu primeiro livro através do site: http://clubedeautores.com.br/ , não sei se conhecem este espaço, a iniciativa deles é muito legal. O custo do livro é um pouco alto, mas amei ter meu livro mais palpável. O link do livro é:
http://clubedeautores.com.br/book/3114--Enquanto_a_lona_cai

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A morte e o sapateiro


Nunca tive medo da morte, achei que houvesse algo de branco e libertário nela. Luzes e corredores infinitos. Na minha infância a morte tinha uma tristeza glamourosa como nos filmes: guardas-chuvas, roupas pretas, uma garoa fina e o salmos com seu cajado e seus vales verdejantes. Agora, estava ali, diante de mim, um corpo grande e inchado para caber na fúria tempestuosa da vida, um sol bonito e brilhante de uma falsa primavera e um Cristo gordo que nega mostrar o sangue quente de suas feridas. Lembro que sempre havia uma atmosfera tenebrosa quando meu pai lustrava seus sapatos e cortava seus cabelos. A morte é um velho e cansado sapateiro, ele ruminava entre os dentes amarelos e sem frestas. Não havia nenhum tipo de falhas naquele homem. Eu observava-o com olhos gulosos de infância. Eram rituais que acompanhavam as mortes e sua boca, quase cotidianamente muda, procurava explicações para o obtuso, ele que era péssimo até mesmo com o óbvio. Sentia um cheiro amargo de flores e grama, milimetricamente plantada com a petulância própria dos vivos. Mas não sentia dor, isso era privilégio dos homens que já tinham passado dos quarenta, eu era nova demais para conhecer o gosto telúrico e aveludado da saudade. Aquele caixote de madeira afundava na boca da terra, enquanto mãos espremiam botões de rosas de todas as cores. E a morte me parecia ainda mais branca. A mortalha me fascinava, vestir-se para um jogo, no qual não há adversários nem juízes, apenas derrotados.
Do meu lado uma muda apalpava um lenço de pano, dele saiam centenas de pássaros negros e cobriam o teto do velório, enquanto isso ela flertava lascívia com o silêncio da revoada.
- Quem é?
- Nelson.
- Era seu marido?
- Não.
Poderia responder milhares de coisas para aquele trombadinha, no entanto, não disse nada. Afinal, ele sabia tanto da vida e tão pouco da morte, que nenhuma explicação seria plausível. Ele pisava os pés encardidos nos defuntos, violava suas covas, mas não sabia nada sobre morrer. A morte era uma multidão de gente falando de feitos estrangeiros, uma intrusa, eram corvos penetrando virgens.
Os gatos pardos reviram a noite e anseiam serem vistos.
Penso em arrastar-me e seguir o cortejo. Entretanto, não há mais cortejos, apenas os urubus esperam famintos do lado de fora.