As facas estão a um centímetro da minha jugular. Não tenho medo, há muito tempo o sangue escapa do meu corpo. Olhos de peixe. Finjo dormir enquanto minhas pálpebras permanecem bem abertas. Por anos carreguei toras de madeira nas costas, pecado, crucifixo. Agora não posso evitar essa fogueira interminável, alastrando árvores, carregando carros, derrubando casas, afogando gente. Será que as coisas ressurgem mesmo das cinzas? Tenho minhas dúvidas, já provoquei muitos incêndios, mas não tenho visto nada de bonito nascer deles.Vênus abordadas. O sol bate na minha janela, aquece as cortinas, os retalhos, os restos de mim... Posso escutar o Lúcio: “Você não está vendo o sol que está lá fora?! Feche essas cortinas!” . Não, não vejo, embora o alumínio queime as pontas dos meus dedos. Não adianta, eu nunca me lembro, e é sempre a mesma fumaça que engulo. E ele nunca se preocupou, a fumaça está me asfixiando e ele nem percebe. A voz da minha irmã ecoa no velho quarto: “Deja me ajuda, me ajuda, não consigo respirar”. E daí? Não foi a asma que a matou, foi o ódio saído daquele maldito revólver. “O ciúmes é tocha em boca de alcoólatra”. E Happiness is warm gun. O que posso fazer? Me fingir de idiota como a maioria? Fingir que sou cega? Fingir que o seu sexo povoando mundos não agride o meu amor? Espadas perfuram meu útero e nem por isso gozo. Lâminas me cortam e nem por isso sangro. Eles podem gritar, eu não estou errada. Eu sei que muitas vezes abismos enganam meus pés e a fumaça que entra por aquela janela atrapalha e faz arder os meus olhos. Olhos de peixe. Mas ainda assim eu consigo caminhar com meus próprios pés. O rio verde e calmo ainda despenca no meu quintal. Vejo cardumes boiando. Milhares de olhos me observam e eu tropeço invisível sobre as pedras.
Pôr de sol , Arpoador
Há uma semana