
Corro em disparada em direção ao descaminho
Trilhos me fazem andar em linhas curvas e perigosas
Tenho vertigens, vejo imagens ocas e brancas
Eu sabia que não poderia haver amor entre um escorpião e uma cobra
Guizos presos no meu dorso
Dentes e pernas não me afligem
Atalhos e mãos não cessam minha fúria de fêmea no cio
Crinas nascem e morrem no meu sexo
Cavalos feridos são simplesmente assassinatos sem golpes cruéis de faca
Minha dor é olhar o mundo e não ver nada além de um poço
fundo e imundo - desalinho - cavo o meu próprio umbigo
Flores não nascem em mim
Esterco
A morfina não adormeceu noites nem aliviou o terror das minhas lobotomias
Do lado de fora, o sol e a lua se encaram, frente a frente,
como se não houvesse precipícios
Insulinas me invadem e me tornam menos doce.
Não sei se punge mais os meus rasgos ou meus remendos.
Queria entender o vermelho-morte de Almodóvar.
O amarelo suicida de Van Gogh
Arrancar com carinho os lírios que nascem à margem do meu corpo
O nosso amor é um labirinto repleto de portas falsas
Caranguejos roçando folhas à procura de abrigo
E eu, de cócoras no escuro, devorando com aflição meus pequenos defuntos
Fetos inocentes flutuam dispersos na minha barriga
Quente feito mármore
E eu não tenho coragem de arrancá-los com os dedos
Punhos verdes e inertes. Meu corpo delgado vomita pores-de-sóis
Arco-íris entorpecidos adormecem depois das tempestades
Tudo se foi e minha cegueira não me deixou degustar os detalhes mórbidos dessa partida
Deito na minha gaiola de aço e espero o pássaro negro e cego devorar o resto dos meus olhos. Esbranquiçado.