
Desço as escadas com dificuldade de cego. Poderia ficar enclausurada com a minha paranóia, as minhas loucuras, remoendo fiapos dos meus retalhos, não consigo. Ando pelas ruas, sinto cada buraco perfurando as solas dos meus sapatos, os meus velhos passos sempre me perseguem. Aonde se enfiou aquele imbecil? Sei que nunca irei achá-lo, nem sei se quero e ainda que o achasse, ele me negaria 3 vezes, como Pedro negou a Cristo. A velha grita feito uma histérica. Não posso matá-la, nem sequer esfaqueá-la.
Entro na padaria, não olho para o balcão, não olho para os doces, não olho para os sonhos. Peço um café sem açúcar. Não gosto de café, mas sempre é a primeira coisa que peço quando entro em algum lugar. Um abismo bebido em pequenos goles. Deixo um fundo na xícara. Abismos água abaixo. Não vejo a cara da balconista, me levanto e esbarro em uma mesa. Meu impulso é sair sem pagar, me controlo. Sempre reservos notas de um real no bolso, é mais fácil, não preciso esperar o troco, nem brigar por tentativas de pequenos roubos. Nunca confie num homem atrás de uma máquina registradora.
Saio depressa, o sol bate com violência no meu rosto, quer me espofetear. Ignoro, existem coisas que consigo ignorar. Na praça a fonte espirra uma água verde e calma, é o rio que insiste em nascer no meu antigo quintal. Crianças em roda jogam moedas. Cara ou coroa? Já me esqueço do limbo escuro do Vale dos Suicidas.