“Onde é o vasto ventre do nada, prenhe de mundos, que contém agora as raças que virão?”
Arthur Schopenhauer
Enquanto a despia com a alma de viajante, pensava em “Cão Danado”. Se o revólver não tivesse sido roubado. Se ela não tivesse casado com aquele homem rude, se não tivesse parido por tantos anos, tantos filhos brutos rasgando suas entranhas de falsa mulher civilizada... Soluçava e sentia o gosto das goiabas que compartilhávamos quando crianças e com o tempo foi bichando. O esfíncter arrombado da nossa infância prematura.
- Você está diferente, parece que a rudeza te comeu por dentro e por fora, de pensar que já fomos tão parecidas, as pessoas até costumavam confundir.
- Você julga não ter mudado.
- E mudei?
- Minha querida! Não seja tão tonta, eu não envelheci assim, tão de repente, tão sozinha, já faz tantos anos...
- Tantos anos?! Não foram tantos assim.
- Eu apenas parei com essa luta insana contra o tempo. Agora eu comungo com ele, todas as manhãs.
- Uma forma bem cômoda de encarar essa flacidez mórbida estampada em você, toda essa pele manchada de mágoa tropeçando entre seus dedos.
- É triste ver você.
- Que ironia! Digo o mesmo.
- Eu te amo, não há nenhuma ironia em minha voz, não desperdice suas forças comigo, estou ao seu lado, como quando pela manhã nos surpreendíamos porque tínhamos sonhado o mesmo sonho.
- Já não me lembrava.
- Você ainda não percebeu que mudou. Um vestido que nunca foi usado, não significa que não envelheceu.
11 comentários:
Que bom poder te reler, visualizar tantas imagens, por meio das tuas palavras tão bem dispostas.
Estava com saudades.
Bjão, menina.
O toque magistral permanece. Que bom!
Felicidades!
sinto falta dos seus escritos. espero que não demore para postar o próximo.
vou ler mais uma vez o post já que a cerva aqui tá começando a fazer efeito - rs
...
bj
Eu fiquei aqui lendo e relendo e fui me perdendo diante do espelho. Por um instante não sabia o que via. Era alguém, mas estava tão embaçado que o reflexo parecia ser vazio. Talvez o vazio explique o humano que lá está.
Saudades de ti minha cara. Por onde andas?
Beleza, Marcia. Adoro seus textos. Não demore muito a postar de novo. Eles fazem falta. Beijo
dona moça,
sempre intensa...
beijos!
Belo.
Márcia, sempre magistral e contundente a sua escrita, realmente um prazer ler seus textos.O que ocorre é que muitas vezes esquecemos de nós e quando olhamos pra trás...Quando olhamos pelas janelas, o tempo nos corroeu, beijo terno.
Existe um verso interessante:
"o tempo é a criação fatal do homem... e o homem a criação fatal do tempo."
Seu texto é incrível... Há muito não venho aqui, e me surpreendi, novamente, com sua narrativa.
Gostaria que desse uma olhada nesse conto que tem crônica em seu título:
http://pinheirodiego.blogspot.com/2011/03/cronica-do-ser-morto.html
Abraços, Márcia.
Adorei a disposição dos textos...
um beijo e bom fim de semana
Incrível, merece aplausos de pé. Meus parabéns, Marcia, este é um dos melhores contos que já li. Ficará registrado na minha memória, tenha certeza disso.
A idade avança... E o que retrocede?
Prazer!
Lohan (http://autoressa.blogspot.com)
Postar um comentário