sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Veredas - panorama do conto contemporâneo brasileiro (Eu & outros)



Veredas: panorama do conto contemporâneo brasileiro é a afirmação da multiplicidade dos caminhos narrativos contemporâneos. O projeto baseia-se na ideia contrária a das últimas antologias lançadas no mercado: em vez de um pódio e de um elenco de melhores narradores — o que é exagerado em um país constituído de centenas de escritores, entre famosos e anônimos — decidimos optar por um levantamento das estratégias narrativas, em que seus escritores empenham-se em propor novos caminhos e soluções para a sua ficção. Veredas não é, e não quer ser, a palavra definitiva sobre o assunto, mas é o gesto mais adequado em uma proposição democrática, pretendendo um panorama cromaticamente mais rico da prosa brasileira.

Para adquirir siga o link

sábado, 8 de fevereiro de 2014

O desencaixe do sol - poema da coletânea "Hiperconexões" organizada por Luiz Bras



Há milênios a pedra descansava embaixo do seu nariz
sem desgaste, sem musgo, sem vinco,
uma memória esquecediça
Mas Estela estava ocupada demais
desacoplandoseus membros
Desencaixava pacientemente peça por peça
Levantava e abaixava as pernas
Escutava atenta os ruídos da rótula
Escondia os olhos das luzes da tarde

Eu a observava da janela verde e seu corpo não passava
de uma carcaça adormecida pelo tempo
Ela repetia esse ritual todo domingo
O crânio era deixado em cima do ventre vazio
As bifurcações do cérebro eram confundidas
com os pensamentos
Ela continuava lindamente viva

Tentei alcançar sua mão, no entanto, eu era só um velho
Pelancas despencavam das minhas extremidades
E a carne de Estela não possuía nem riscos
nem linhas nem ranhuras
Sobre a cabeça de Estela repousavam nuvens,
Sobre a minha, pássaros moribundos de origami

Há milênios a pedra descansava embaixo do seu nariz,
Sem desgaste, sem musgo, sem vinco,
uma memória esquecediça
Estela sussurrava para seu crânio
Haverá um tempo em que a pedra será irmã do homem
E toda substância disputará um sol sobre a mesma pele

E eu gaguejo para Ninguém:
Não creio na onipotência da pedra
não creio em neutrinos
não creio em quarks
não creio no bóson de Higgs
não creio na nanomemória das coisas
E ainda assim a existência enferruja
igual a um parafuso espanado.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Medula - texto publicado na Revista Pessoa


Siga o link: http://www.revistapessoa.com/2013/10/medula/










O exílio do eu ou a revolução das coisas mortas- texto originalmente publicado na Zunái



Eram coisas minúsculas que me faziam não entender o mundo, como dois interruptores para apagar a mesma luz ou o som vindo da Ásia e saindo de uma caixa negra ou morangos mofarem tão rápido ou o gosto das pitangas serem tão parecidos com os das cerejas ou as flores que terminam em um falo ou a teta alimentar o universo ou um espelho esférico invertendo meu pânico ou dois homens se amando com o desespero que nunca conheci ou o amor ser um criadouro de moscas estéreis zunindo zunindo zunindo dó ré mi fá sol lá si cataclismas no meu cérebro larvas obesas ruindo a carne vespas negras no fundo do quintal ou o tédio enferrujado esburacando a manhã ou buchada ser uma iguaria ou crianças comendo testículos de bois ou um escorpião amarelo atravessando o deserto comendo a própria cria ou a diáspora das nossas mãos durante as masturbações ou bonecas infláveis serem tão perfeitas ou o ódio insano dos homens pelos touros ou a beleza dos chifres espiralados dos antílopes negros ou mulheres clonando-parindo como animais ou a disputa selvagem dos homens pela buceta das fêmeas. O pensamento da aranha tecia absurdos sobre minha tíbia rótula patela minha vizinhança meus membros eram uma máquina de encaixes arruinados e eu era um ser obtuso e ter o crânio de um animal era o menor dos meus problemas. Coma logo a aranha antes que suas ideias se tornem matéria coma logo a aranha antes que ela teça a revolução coma logo a aranha antes que cem luas despenquem de suas patas peguem a faca e cortem o verbo ao meio só sobrará a ação. E nossa cópula fosse a união de mil garras, armistício, campo minado, fratura de invertebrados. Não entendi quando percebi que essas coisas pequenas entre as pernas num ângulo diálogo monólogo obscuro não fosse capaz de provocar asco, não entendi quando percebi que existiam idiossincrasias em todas as genitálias, eram todas tão diferentes uma das outras… Olhei de novo para minha e tive vergonha. De que espécie eu era¿ Por que meus buracos e seus contornos eram tão pavorosos¿ Ela era rosada e grande, uma membrana pesada e com bainhas desproporcionais os pelos cresciam em direções variadas perdidos entre uma ordem e outra. As estrias formavam ramificações difíceis de entender. Desviei o olhar não gostava de encará-la por muito tempo. Eu jamais deixaria que ele me visse, não assim, onde eu não era normal, onde a duração do tempo se distendia nos meus pequenos-lábios, pensei na solidão dos ornitorrincos… na feiúra incompreensível dos peixes abissais… nas dobraduras se desdobrando na minha pele fina. De novo os ornitorrincos e os peixes abissais. Eles como eu não eram daqui e eu pensei: é bem estranho ser estrangeira no próprio corpo é bem estranho ser estrangeira no seu país é bem estranho estar sitiada nas escórias da própria carne é bem estranho conhecer apenas as superfícies das coisas inanimadas.

Olhei para seus olhos castanhos e clamei, você que não me conhece não me deixe nunca sair da minha terra não me deixe pisar em outros solos áridos não quero conhecer outros países não quero conhecer outros dementes não quero lamber a falência de outro corpo não quero sentar na rigidez de outro pau não quero enrolar minha língua em outras línguas não quero ter certeza que a felicidade não existe em parte alguma, quero ter essa esperança rasa de que em alguma parte o ar é rarefeito, as palavras são todas francesas e a lama é branca…

Você me olha com um olhar idiotizado, o olhar de todo homem que já passou dos trinta e eu desfaleço. Você podia me fazer parar, agarrar meus pulsos, amarrar minhas mãos nas grades da cama. Você não faz nada, só me olha, um gato paralisando sua presa. Retiro a armadura do eu penduro na parede texturizada grandes rosas secas arabescos que não existem mais a arquitetura falida nostalgia rococó retiro as carrancas retiro as máscaras japonesas enfio o dedo na sujeira do umbigo retiro os caranguejos da minha última morte retiro a penugem do buço agora sou não eu essa cor opaca massa mole matéria quase morta parecendo o abdômen de um inseto ou um incesto de dois irmãos.

Você sussurra no meu ouvido surdo labirinto bigorna eu eu eu eu o eco ensurdecedor de todas as suas ideias olho seu palato em decomposição e você continua agora num grito sufocado eu eu eu e eu coloco a corda frouxa e suicida em torno do seu pescoço vejo a língua enrolada e a baba grossa de um epilético.

Você sopra no meu olho sem cílios eu eu eu e recorda um velho refrão cavalos cavalgam na cartografia do seu dorso–cavalos negros selvagens cavalgam no seu leito– mas isso não é importante–o eu está morto. Sou uma massa amorfa e coalhada e o sol apodrece minhas vértebras e o líquido que me tirou das penúltimas meninges explode na minha garganta há um pêndulo enferrujado entre minha laringe e minha traqueia falar não é tão indolor quanto parece ainda mais nesse lugar suspenso onde cada palavra cai um rifle ainda mais nesse campo de marionetas onde não perdura a consciência íntima do tempo.

Resenha de Jardel Dias Cavalcanti no Digestivo Cultural


Mosaico de Rancores, romance de Marcia Barbieri

A literatura como uma entranha aberta. Depois que a vida foi esfolada, seus retalhos são servidos aos leitores como cacos de um espelho de carne e alma despedaçados. Gozo e dor. A ânsia da vida e a impossibilidade de sua realização. É o que propõe o romance Mosaico de Rancores, da escritora Marcia Barbieri, publicado pela editora Terracota, de São Paulo.

Uma literatura necessária, em tempos em que a força inconsciente da vida tem sido julgada imprópria, pois foi substituída pela imagem, seu simulacro vazio e publicitário. Pequenos talhos no desejo, contradições no universo dos afetos, levados ao extremo. Barbieri metaforiza, num mosaico imensamente perturbador, o sexo, o amor e a dor, que se abrem na sua literatura como uma vulva cheirando a cópulas impuras, como só cheirariam as flores do mal.

Literatura de cortes na linguagem, que traduzem na sua forma os pedaços quebrados da suposta "verdade da vida". Sem construções seguras ou de fácil assimilação. Erótica, mas sem descuido do poético, como na seguinte passagem: "Heroína, tua pica nas minhas veias. Quente, grossa, latejando. Os mortos de papoulas caem aos meus pés, lambem, acariciam, sugam toda sua imundície. Sobem devagar, relincham soltam os freios, chegam ao ventre e se dispersam. Êxtase."

Metáforas surreais de uma existência perdida entre a dúvida da traição, a impossibilidade da fusão emocional entre (ou com) as pessoas e a ausência de sentido da vida. Somado a isso, a recusa e o repúdio a tudo o que se oferece como anestésico (nenhum Deus de barro é consolo). Como escreve Barbieri: "Não posso acreditar na beleza dos corais, nem na dureza dos carvalhos. Tampouco posso confiar nos escafandros pendurados nos nossos cabides."

Uma literatura que goza de suas próprias perversões, que não se abstrai do cheiro do esperma, dos líquidos vaginais ou de qualquer outra gosma - e que, também, não se furta a exibir o esgoto in natura dos conflitos conjugais. "Tateio meu corpo e finjo orgasmos. Clitóris e lábios não são suficientes. Gemidos me calcificam. Pedras em coma submergem. Faço dos meus lençóis o leito frágil do meu rio. Não há graça nem louvor nos meus suicídios diários."

Construção abismal, nos leva de lá para cá, sentindo o gozo, sua frustração e sua razão de ser: o caos. "Vulvas vermelhas recordam a solidão antes do nascimento. Deflorações. O paraíso perdido de Milton. Clitóris na procura incessante do gozo. Línguas bipartidas. Cobras venenosas. Teu pau no meu sexo. Minha boca buscando alento no seu desprezo. Desafetos geram embriões. O amor é violento, afasta vértebras. Meninos estuprando realidades de quatro. A rosa corrompida dos ventos."

Uma literatura que exibe as verdadeiras carências, que acusa e nomeia os rancores, que ilumina as feridas abertas, que avança sobre os dejetos da existência como um falo de aço faminto e sedento que salta sobre uma vulva aberta.

Uma literatura corajosa, um jorro de vida, amor e êxtase, e que, como morte anunciada, espinafra a infértil fraqueza da razão, distante e fria com a vida, que só lhe presta louvor quando, falsa, é "enquadrada nas fotos" que jorram por aí.

Nota:

Para comprar o livro, acesse o site da editora


Jardel Dias Cavalcanti 

http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3894&titulo=Mosaico_de_Rancores,_romance_de_Marcia_Barbieri

Retalhos da existência - uma resenha de "Mosaico de rancores" por Fernando Rocha

SÁBADO, 2 DE NOVEMBRO DE 2013

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RETALHOS DA EXISTÊNCIA


Não consigo, o que eu quero é muito difícil, é tocar o abstrato, torná-lo palpável.
Márcia Barbieri

Em seu primeiro romance Márcia Barbieri, agora num espaço maior do que a estrutura do conto permite, tal como demonstrou com o seu: As mãos mirradas de deus (2011), continua em seu combate com as palavras, fato este que aponta a metáfora como injustiça e até mesmo redutor em referência ao seu trabalho. Talvez, as mesmas palavras utilizadas pela Professora Dra. em semiótica Telma Maria Vieira para analisar uma parte da obra da Sra. Lispector, ajudem a percorrermos o Mosaico de Rancores com um pouco mais de clareza:

... protagonistas-narradoras, que se deparam com o fato de precisarem narrar fazendo uso de palavras que, enquanto signos, não tem possibilidade de expressar inteiramente o objeto. Desse modo, essas personagens experimentam um embate com a linguagem. (pg.33)*

Aqui abandonamos a escritora que atua na esfera de comunicação externa da obra, para nos aproximarmos de Maria Luiza a personagem que consequentemente, é a voz que atua quase que na íntegra ao longo da primeira parte da narrativa, intitulada como Olhos de cão.
Malu tem como receptor supremo de sua mensagem Lúcio, um fotógrafo com quem ela possui uma relação tumultuada, contudo, este se encontra ausente na maior parte do tempo em que a protagonista emite seu discurso, o que a torna numa espécie de Alcebíades que prefere não comparecer ao Banquete, para que assim possa imaginar situações vivenciadas por seu Sócrates (Lúcio): O almoço esfria na mesa. Não tenho fome. As poses insinuantes daquelas putas oferecidas. (pg. 23)
A ausência do artista funciona como um motor que impulsiona uma verborragia criadora de imagens, diálogos com obras de diversas linguagens do mundo das artes, o que nos faz saltar para a comunicação externa da obra, apreciando o enorme arsenal do qual desfruta a escritora na construção de sua heroína, justificando um estado híbrido entre o fazer poético e a arte de narrar.
A repetição de algumas imagens que pode ser encarada por leitores mais rasos como falha de estilo, na verdade, constituí a metalinguagem presente na obra, pois o tecer de retalhos que Malu desenvolve com tecidos é semelhante ao procedimento linguístico constatado em seu discurso-delírio, que recorta fatos e os mistura em fragmentos da memória, desde a morte de uma irmã, à figura de um pai opressor, chegando a um amante infiel e ausente e um cunhado a quem deseja e imagina ser desejada, num ritmo de flashes curtos, nos quais trechos vão se apresentando e reapresentando, de maneira que possa ressignificar o estado de neurose no qual se encontra a personagem, que assim como qualquer neurótico repete, mas não em ritmo maquinal, e sim como escreveu Moska: Repetir, repetir até ficar diferente.
Deixando o leitor ao final da primeira parte ao menos com uma indagação precisa: Serão tais olhos confiáveis?
Em Clareira segunda parte da obra, ocorre uma inversão no fluxo narrativo, agora Lúcio toma o lugar de emissor e Maria Luiza, calada é observada sem intervir no discurso que começa brando e desmentindo muito do que fora dito ao longo da primeira parte da obra.
O fotógrafo, não por acaso, se apropriando dos recursos empregados em sua arte, torna a narrativa em alguns momentos próxima ao que fazem os cronistas, buscando o rigor do instante:

 Fico o resto do tempo sentado folheando uma revista, fingindo interesse. As pessoas comem, arrotam e camuflam seus problemas. Sacos de salgadinho entre os vãos do banco. (pg.153)


É possível que muitos leitores ao encontrarem a derradeira página 168 se questionem: O que há de real nisso tudo? Talvez esta não seja a questão, pois aqui, não há espaço para explicações e descrições pragmáticas sobre o real, esta não é uma obra para se ler e buscar refúgio na razão, mas sim para ser sentida palavra-desabitada por palavra-ressignificada apontando a direção da sensibilidade, que de tão real pode ser confundida com a técnica: A escuridão de uma clareira.


*VIEIRA, Telma Maria, Clarice Lispector: uma leitura instigante, Annablume, São Paulo: 2004


Entrevista para o site Letras et cetera

SEXTA-FEIRA, 31 DE MAIO DE 2013

ENTREVISTA COM A ESCRITORA MÁRCIA BARBIERI


Márcia Barbieri é paulista, graduada em Portugês/ Francês pela Unesp, pós-graduada em Prática de criação literária, org. Nelson de Oliveira, mestranda em Filosofia pela Unifesp.
 Autora dos livros de conto Anéis de Saturno (Clube de Autores: 2009), As mãos mirradas de deus (Multifoco: 2011), além de ter diversos textos publicados em conceituadas revistas literárias, edita o blog: A vida não vale um conto desde 2008.
Neste ano lançará o romance Mosaico de Rancores, pela editora Terracota. No último ano, publicou alguns capítulos do romance A Puta, no portal O-bule, no qual atua como colunista.

 Em quais aspectos ter vindo morar em São Paulo influenciou sua escrita?

Não sei dizer o quanto me influenciou ter vindo para São Paulo em minha escrita, talvez o mais importante tenha sido o acesso a pessoas e cursos que jamais teria em minha cidade, parece que aqui é mais fácil estar sempre perto da escrita, lá eu me sentia mais longe... Embora eu tenha saído com vinte dois anos (e cheguei a São Paulo com vinte e seis) e tudo ainda era confuso, eu já sabia que escrever era minha vida, por isso a escolha pelo curso de Letras, mas ainda não pensava em produção, ter uma obra, só pensava em escrever, sem a pretensão que tenho agora, por outro lado, não sei se ter pretensões é positivo...

A literatura está na escrita ou na edição de um livro?

A literatura está com toda certeza na escrita, mas a edição do livro pode arruinar ou elevar a escrita.

Segundo Roman Jacobson, a ênfase na mensagem constitui a linguagem poética, em sua escrita há uma linha tênue entre a prosa e a poesia, como seu romance Mosaico de rancores será traduzido para o alemão, você teme que o leitor estrangeiro não sinta o seu texto ao lê-lo?

Vejo a tradução como a adaptação de uma obra. Acredito que eu estarei em algum grau na obra depois de traduzida, mas não sei se poderei dizer que a escrevi, a tradução é uma espécie de reescrita e muita coisa se perde, outras aparecem. Para mim, o mais legal foi alguém (o editor) acreditar na minha escrita.

Você tem textos publicados em diversos portais de literatura, além do seu próprio blog. Acredito que leia textos de outros autores na internet. Quais as diferenças que você sente entre a leitura web e no veículo livro?

Acredito que a desvantagem de se ler um texto na web é que você sempre está lendo e fazendo outras coisas ao mesmo tempo e acho que isso dificulta um pouco o envolvimento com a obra do autor, às vezes, você quer voltar ao texto, mas aparecem outros textos, outros autores, é tudo muito rápido. Já o livro impresso você tem a vantagem de deixá-lo na cabeceira da cama e cada dia mergulhar um pouco, com calma, com atenção, além disso, é mais confortável a leitura.

É possível escrever o silêncio?

É quase impossível presenciar o silêncio... Todo escritor, no fundo, tem a intenção de escrever o silêncio, mas o silêncio é divino, não é humano. No livro que acabei de finalizar A puta, um dos personagens, o Poeta, tenta escrever um livro, o primeiro livro de uma nova era, ele abre com uma epígrafe: “As palavras dos homens são grunhidos perante o silêncio de Deus” e eu também acredito nisso, só Deus tem o poder da construção silenciosa, o homem é ruidoso o tempo todo, todos os dias, todos as horas, todos os minutos, todas as obras não passam de um desencaixar de mandíbulas...

Marcelo Ariel afirma que a linguagem é uma doença. Escrever te cura ou te adoece?

Não sei se concordo que a linguagem é uma doença, talvez, porque as coisas ficam mais simples quando ela é extirpada... De qualquer forma, eu adoeço apenas quando não estou escrevendo, quando não escrevo me sinto oca e penso nisso a cada instante, sinto que poderia estar morta, me sinto inútil. Pra mim, escrever é como um pico na veia, delirante e preciso disso, não conseguiria viver sem...

 É possível reconhecer um texto seu pela idiossincrasia. Você tem medo de se repetir? O que faz para vencer as acomodações da estética?

Tenho, tenho um medo tremendo de me repetir e acho que tudo o que faço se repete, porque são minhas obsessões, não posso me desligar delas... Nesse romance que falei A Puta tentei não me repetir, mas tenho minhas dúvidas se consegui. A cada livro que escrevo tenho uma necessidade muito grande de me diferenciar, de experimentar, adoro experimentar a linguagem, ver até onde consigo ir, não sei dizer se consigo... Talvez para uma escritora eu ainda seja nova, tenho certeza que morrerei por volta dos noventa anos, até lá acho que terei tempo para ser diferente...

Você publicou capítulos do romance A Puta em O Bule. Como é construí um romance e antes de tê-lo terminado, possuir a resposta dos leitores? Isso interfere no processo criativo?

Eu gosto de ver a reação dos leitores, mas não mudaria por causa deles, eu sou muito teimosa... Além disso, quem comenta normalmente é conivente... Acredito que o escritor não procura seus leitores, a obra encontra seus leitores.

O seu romance Mosaico de Rancores começou a ser postado em seu blog em 2008, este será lançado neste ano. O que mudou em sua escrita de lá para cá?

Como disse, eu vivo me repetindo, mas acredito que a minha escrita esteja mais madura, menos medrosa... Eu não me reconheço mais no Mosaico de Rancores, talvez seja um problema comum, depois que acabo uma obra dificilmente gosto dela...


Há algo que não foi perguntado e é importante para compreendermos a literatura que você pratica?

A única coisa importante para entender minha literatura é se deixar levar pelas sensações e pelos ritmos das palavras... Quando eu digo cavalo, eu não falo do seu corpo musculoso e infalível, quando digo cavalo, eu penso no barulho dos cascos galopantes...

Leia Mais: http://nanquin.blogspot.com/2013/05/entrevista-com-escritora-marcia-barbieri.html#ixzz2sBTENtEo 

sábado, 5 de outubro de 2013

domingo, 11 de agosto de 2013

O jardim branco no Jornal Opção de Goiânia

Meu conto "O jardim branco" no Jornal Opção de Goiânia:

http://www.jornalopcao.com.br/posts/opcao-cultural/o-jardim-branco

“A mulher é cheia de pretensões e na sua cabeça germinam apenas futilidades, diz conhecer o abismo dos homens, enquanto sua alma não passa de um porão cheio de quinquilharias”

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Documentário "A força da palavra"

Documentário do qual participei ao lado de grandes nomes da literatura marginal e da grande estudiosa sobre o assunto Heloísa Buarque de Holanda. Os créditos do vídeo encontram-se no próprio youtube.

http://www.youtube.com/watch?v=QWHAm-dFyPI&list=PL1P2yk6FIItz_GLncJuUkPxWhn65Wwd2B


quarta-feira, 1 de maio de 2013

I


Não sou homem
sou uma matilha
dividindo-destroçando o mesmo fêmur

Não sou nem esse lobo
que crava os dentes no osso
nem esse osso perfurado
estou entre um e outro
sou essa membrana, essa baba branca, esse órgão acoplado,
essa partitura de mandíbulas desencaixadas
- caótica e ruidosa.

domingo, 18 de novembro de 2012

Cariátide




Continuo costurando, estou me tornando boa em disfarçar os pontos sob a pele branca. Embora a queloide se estenda por um dos meus braços e eles apenas dizem que sou geneticamente predisposta  a criar dobras sobre a pele. 
Depois da queda, passei duas madrugadas fazendo o enchimento, estofa velha cheirando a mijo de gato, era necessário disfarçar o oco que me esvaziava, que comia minha carne, que desgastava minhas cartilagens. Era preciso parecer que os órgãos ainda estavam lá, que as vértebras ainda eram móveis, era preciso fingir que os ratos ainda copulavam nos esgotos gerando homens-simulacros, era preciso fingir que eu era uma dessas crias, fingir que eu teria orgasmos quando meu clitóris fosse tocado por uma língua, e quantas vezes precisei mentir que havia um clitóris sobre minha vulva. Era preciso ser uma boneca cheia, dessas com glândulas sudoríparas, dessas que têm pálpebras, que abrem e fecham os olhos e não causam estranhamentos, dessas que quando morrem são carregadas por formigas famintas, dessas que fedem como cavalos, que fodem como cadelas, era preciso ser um desses corpos que explodem ovos de baratas.
Entretanto, é preciso dizer que eu era mulher, feia mas mulher, que a minha vagina me enjoava e que tive mais poluções noturnas que orgasmos e todas as minhas fendas causavam mais pavor do que prazer. Torno mecânico.

imagem: Roberta Agostini

sábado, 20 de outubro de 2012

Gênese


Ela estava há milênios ajoelhada naquele cubículo e expunha com certa vaidade uma fratura no fêmur esquerdo. Brincava com uma Matrioshka. Tirava e recolocava as várias bonecas russas, enfiava o dedo no miolo, encontrava a menor de todas, rasgava com uma faca, duvidando da sua entranha oca, do seu corpo sem órgãos, como se através dessa manobra pudesse resolver sua demência ou seus problemas de ancestralidade.
Olhando-a assim, acreditei que ela jamais morreria, estava enganado, ela era uma barata branca e logo seria esmagada.
Não foi fácil ver seu corpo estendido na pedra. Aqueles seres estranhos, vermelhos e mascarados (sempre considerei a máscara uma repetição desnecessária), falando línguas estrangeiras, dançando e urrando, imitando o som gutural dos animais. Ofereceram-me um cálice de sangue, eu deveria celebrar a morte, sacralizar o útero que foi meu abrigo, minha origem. A caverna era escura, úmida. Havia na parede da rocha, atrás do seu corpo, o desenho de uma vulva aberta e gigante, em volta caçadores com seus membros em ereção, em outra gravura um antílope estava montado em uma mulher nua e grávida, aos seus pés demiurgos ejaculavam.
Colocaram em minhas mãos um instrumento pontiagudo, fizeram gestos que indicavam que eu deveria retirar as vísceras do cadáver e fazer uma trepanação. Hesitei, mas concordei, a matéria era uma abstração e nunca foi sólida, era uma rachadura, uma trinca no tempo-espaço.
Sei que existe um animal rastejante que circula em sentido anti-horário pelo meu útero (sou um homem castigado com um útero) se espreguiça nas minhas trompas, se enrosca nas paredes do meu intestino, como um cão de rua que não morde, mas fareja, mas fede. Trêmulo começo a estripar aquele corpo-origem. Partenogênese. Ovo cósmico.
O ritual de sepultamento continua e eu sigo fazendo a trepanação. Lamento porque nunca me senti parte desse mundo, porque quando cheguei o mundo já estava instituído. É como se eu fosse uma orelha implantada no organismo de um sapo. É como se eu tivesse despencado em um país estrangeiro e por todos esses anos continuei um exilado no meu corpo-máquina. Preciso ser civilizado, sou homem e preciso entender o sorriso fingido dos hipócritas, a boca banguela, desnuda dos desalmados. A humanidade se alimenta parindo ovos chocos. Preciso ser homem, trabalhar, acasalar, conversar, entender de política, entender a rosa dos ventos, fingir felicidade, matar os porcos que aparecem nas noites sujas, quando tenho as vértebras trincadas e pinos na mandíbula.
Nasci no corpo-simulacro de um homem evoluído. No entanto, minha alma tem uma corcunda feia e incurável, minha alma é de um egiptopiteco, um primata franzino de seis quilos.
Então, diga, como não ser arrebatado se não tenho olhos nas costas? Ando atento pela casa e em todas as portas multiplicam ferrolhos enferrujados. Como posso sorrir se sou um amontoado de átomos, os quais poderiam tanto estar em mim como numa cadeira de vime. Ela me falou que eu era fraco e por isso estava em eterna diáspora. Eu catava piolhos de um macaco de pelúcia. Só não era mais ridículo porque eu nascera inteiro, sem amputações. Era nesse ponto que ela se enganava Eu era a própria amputação, a própria rachadura na coluna de Deus. O meu quarto-mundo era uma incubadora e eu estava fadado a viver cem anos e continuar prematuro.
Um enxu de moscas andam tontas e circunspectas em torno do meu mamilo. Não sinto cócegas, não as expulso, acompanho sua coreografia macabra nas redondezas do seu peito. A angústia não é muito diversa de um amontoado de larvas de inseto. Barroca.
Coagulo a noite. Navalho a face profícua de Deus. Continuo a trepanação. Depois de um tempo eu era só o exoesqueleto de uma cigarra, vazio, solitário, oco.
Não havia dúvida do que eu deveria fazer. Abri a vulva da minha mãe e voltei ao seu útero. Invaginação do fora. As esporas, os cascos, os trotes, a noite, o beco deixaram de me incomodar.

Conto publicado originalmente em http://www.musarara.com.br/genese

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Sutura


As dobras e redobras de um corpo sem órgão:
lindo bebê deformado,
do nascimento só me sobrou a viscosidade da placenta
a linha-curvatura-do-fora-cartografia-escalas-estrias
de uma catástrofe cotidiana - memória palato fendido

no retrovisor sua imagem é uma abstração que não pode ser codificada
a subjetivação sem sujeito
nasci assim, órfão, despencado da cloaca de Deus
nos templos o homem exibe nuas cabeças decepadas

o pódium é o lugar da não-ocupação
e eu sou um homem de corpo coalhado.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Lançamento do 'Manicômio', de Rogers Silva





“Amor e morte são os temas dominantes neste primeiro livro de Rogers Silva. Causa e efeito: o amor conduzindo inevitavelmente à morte, ambos conectados num fluxo só: amor-morte. Amorte.

Perdidos num turbilhão de canções e filmes românticos, os apaixonados de Rogers Silva atravessam parágrafos vertiginosos, às vezes longos. O discurso direto copulando com o discurso indireto, a primeira pessoa com a terceira. Misturando prazeres e sofrimentos. Indo mais longe: fazendo do prazer sofrimento, do sofrimento prazer.

A linha que tudo costura — amor, morte, prazer, sofrimento — é a loucura. Cuidado, leitor desavisado. Somente com muita sorte você conseguirá escapar destas páginas com a sanidade ainda intacta. Esta coletânea de narrativas tem a mesma densidade claustrofóbica e desestabilizadora do Asilo Arkham, a notória instituição psiquiátrica da mítica Gotham City.

Está preparado para a camisa-de-força? A literatura de Rogers Silva não é para leitores comuns, é para os raros, ou só para os loucos, como queria Hermann Hesse no romance O lobo da estepe.

Insanidade cerrada. A densidade discursiva vem da complexidade existencial das personagens e do narrador. Das entidades maníacas que sofrem patafisicamente, ou seja, bem mais profundamente do que as pessoas comuns já sofreram ou vão conseguir sofrer em toda sua trivial existência.

As ficções aqui reunidas revelam o mundo desencantado de dezenas de pessoas, não só de Desseres. Há o desencanto das crianças, Hugo e Clarissa. Da insaciável Josi. Dele mesmo, Jesus Cristo. Há até o desencanto de uma canção-narradora, que conta ela mesma sua história de amor e morte.

As duas narrativas mais psicologicamente violentas são sem sombra de dúvida as mais fragmentadas, O espelho e Manicômio.

Na primeira, o diálogo intertextual com o conto de Machado rendeu um texto longo e inquietante, que seduz e incomoda simultaneamente. A louca pede ao cocheiro que não corra tanto, então o tempo começa a avançar e a recuar, os cenários vão mudando, começam a aparecer outras personagens: Carolina, Policarpo Quaresma, Campos de Carvalho, e tudo vai ganhando a consistência de um sonho.

Já estamos em pleno manicômio, onde os desejos e os impulsos mais antigos amordaçam a razão e matam o professor de lógica. Nesse estabelecimento a juventude está sem rumo (ainda, há décadas), o amor persegue a própria cauda e a morte violenta é a parada final”.

Por Luiz Bras


Sobre o autor:
Rogers Silva é escritor, professor, pesquisador e promotor de eventos. Mineiro, nasceu e mora em Uberlândia. Publicou em sites, revistas, jornais e coletâneas, dentre as quais 'Portal Solaris', 'Portal Neuromancer' e 'Portal 2001' (organizadas por Nelson de Oliveira). É colunista e co-fundador do coletivo O BULE (www.o-bule.com). Bloga em www.rogerssilvaoriginal.blogspot.com e tuíta em @rogerssilva.


Serviço:Coquetel de lançamento do livro Manicômio de Rogers Silva.
Quando: 12 de agosto de 2012 (Domingo), às 19h.
Onde: Espaço Cultural do Mercado Municipal 
(Rua Olegário Maciel, nº 255, esquina com Av. Getúlio Vargas. Uberlândia-MG).
{ Apresentação musical com Leandro Rabelo (voz e violão) e Leonor Jr (percussão). Performances inspiradas nos contos do livro. Projeção do booktrailer. Salgados, pão de queijo, café, suco e refrigerantes. Amigos, conversas, interação, alegria }
A entrada é gratuita.

* No dia do lançamento o livro será vendido por R$ 19,90.